terça-feira, 14 de abril de 2009

O PECADO DE CLARICE


CLARICE LISPECTOR  ENTREVISTAS -parte 1
   http://br.youtube.com/watch?v=9ad7b6kqyok

PARTE - 2
http://br.youtube.com/watch?v=OUlAFR2aWFs&feature=related

Parte - 3
http://br.youtube.com/watch?v=2Orgxd9bD_c&feature=related

Parte - 4
  http://br.youtube.com/watch?v=ptCJzf20rbY&feature=related

Parte - 5
http://br.youtube.com/watch?v=TbZriv5THpA&feature=related

Clarice- FOTOS  Mus-uma nota só)Nara
 http://br.youtube.com/watch?v=MT9I4tNnFDc&feature=related

Homenagem -Mistério Clarice
http://br.youtube.com/watch?v=dGhAhNxEC4A&feature=related

A Perfeição - Clarice
  http://br.youtube.com/watch?v=mB8OxGFbmCU&feature=related

TENTAÇÂO - CLARICE - Aracy Balabalian
http://br.youtube.com/watch?v=9jpxcIxyNy8&feature=related

MOZART -1 Jascha Heifetz plays Rondo by Mozart (5.21)
 (- violino-desconheço)
http://br.youtube.com/watch?v=fVSgx7gKc_k



UMA IRA EM CIO PERPÉTUO

"Esta" - se disse o homem ajoelhado como antes de ir para a guerra -
"esta é a minha prece de possesso.

Estou conhecendo o inferno da paixão. Não sei que nome dar ao que me toma, ou ao que estou com voracidade tomando, senão de paixão.

O que é isso que é tão violento que me faz pedir clemência a mim mesmo?
É a vontade de destruir, como se para este momento de destruir eu tivesse nascido. Momento que virá ou não, a minha escolha depende de poder ou não me ouvir.

Deus ouve, mas eu me ouvirei?

A força de destruição ainda se contém um instante em mim.
Não posso destruir ninguém ou nada, pois a piedade me é tão forte como a ira; então eu quero destruir a mim, que sou a fonte dessa paixão.

Não quero pedir a Deus que me aplaque, amo tanto a Deus que tenho medo de tocar nele com o meu pedido, meu pedido queima, minha própria prece é perigosa de tão ardente, e poderia destruir em mim a imagem de Deus, que ainda quero salvar em mim.

No entanto só a Ele eu poderia pedir que pusesse a mão sobre mim e arriscasse queimar a Dele. Não me atendas porque meu pedido é tão violento que me atemoriza. Mas a quem pedir, neste rápido instante de trégua, se já afastei os homens?

Afastei os homens, fui fechando as doçuras de minha natureza a cada golpe que recebi, e as doçuras negadas foram se enegrecendo como nuvens simples que vão se fechando em escuridão, e eu abaixo a cabeça à tempestade.

Como seria a ira divina, se esta minha me deixa cego de força total?

Se esta cólera só destruísse a mim. Mas tenho que proteger os outros - os outros têm sido a fonte de minha esperança. Que faço para não usar esta onipotência que me toma? o que me direi eu? Senão a verdade, senão a verdade.

Só outra coisa eu conheci tão total e cega e forte como esta minha vontade de me espojar na violência: a doçura da compaixão. Só isto ainda posso tentar pôr no outro prato da balança - pois no primeiro prato está o sangue e o ódio ao sangue e o riso ao sangue que dói.

Que estou querendo? Quero que a cada uma de minhas dores corresponda hoje e agora um ato de cólera.

"Mas eu sei o que foram as minhas dores. A cólera, é fácil expô-la. Mas a dor, esta me envergonhava. Porque minha dor vem de que não saí feliz de meus outros pecados mortais.

Minha violência - que é em carne viva e só quer como pasto a carne viva - esta violência vem de que outras violências vitais minhas foram esmagadas. Minhas outras violências pecadoras que se pareciam tanto com um direito meu... No começo elas se pareciam tanto com minhas maiores suavidades.

Eu tinha nascido simplesmente e também simplesmente quis ir tomando para mim o que queria. E a cada vez que não podia, a cada vez que era proibido, a cada vez que me negavam, eu sorria e pensava que era um manso sorriso de resignação. Mas era a dor que se mascarava em bondade. Eu sabia que era dor errada diante de Deus, e, pior, diante de mim, quem quer que eu seja.

Cada vez que meus pecados não venciam, eu sofria, mas sem me sentir com direito de sofrer, e tinha que esconder não apenas a dor, mas sobretudo o que causara a dor. O que estava sendo pisado em mim? na minha verdade de outrora, o que estava sendo pisado em mim?
Os pecados mortais.

"Os pecados mortais clamavam em mim por mais vida, e clamavam com vergonha, os pecados mortais em mim pediam o direito de viver.

Minha gula pelo mundo: eu quis comer o mundo, e a fome com que nasci pelo leite, essa fome quis se estender pelo mundo, e o mundo não se queria comível. Ele se queria comível, sim, mas para isso exigia que eu fosse comê-lo com a humildade com que ele se dava. Mas a fome violenta é exigente e orgulhosa, e quando se vai com orgulho e exigência o mundo se transmuta em duro aos dentes e à alma.

O mundo só se dá para os simples, e eu fui comê-lo com o meu poder e já com esta cólera que hoje me resume. E quando o pão se virou em pedra e ouro aos meus dentes, eu fingi por orgulho que não doía, eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força.

Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito, e era com o mesmo material que eu iria a ele. E depois foi quando o amor pelo mundo me tomou: e isso já não era a fome pequena, era a fome ampliada. Era a grande alegria de viver - e eu pensava que esta, sim, é livre. Mas como foi que transformei, sem nem sentir, a alegria de viver na grande luxúria de estar vivo?

No entanto, no começo era apenas bom e não era pecado. Era um amor pelo mundo quando o céu e a terra são de madrugada, e os olhos ainda sabem ser tenros. Mas eis que minha natureza de repente me assassinava, e já não era uma doçura de amor pelo mundo, era uma avidez de luxúria pelo mundo. E o mundo de novo se retraiu, e a isso chamei de traição.

A luxúria de estar vivo me espantava na minha insônia, sem eu entender que a noite do mundo e a noite do viver são tão doces que até se dorme, que até se dorme, meu Deus. E a água, na minha luxúria de viver, a água se derramava pelos dedos antes de chegar à boca. E eu amava o outro ser com a luxúria de quem quer salvar e ser salvo pela alegria.

Eu não sabia que só o meio-termo não é pecado mortal, eu tinha vergonha do meio-termo.

Os pecados são mortais não porque Deus mata, mas porque eu morro deles. Eu é que não pude arcar com os pecados mortais. O que não consegui com eles, é isso que hoje me violenta e a que respondo com violência. Os meus pobres meios canhestros não me conseguiram nem terra nem céu, e a fúria me toma.

Ah, mas se por um instante eu entender que a fúria é contra os meus erros e não contra os dos outros, então esta cólera se transformará nas minhas mãos em flores, em flores, em coisas leves, em amor. ( centenas de sementes de flores, em pecado, amando-se no perpétuo renascer.* )
Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo - menos a vida. E é isso o que não perdôo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdoo aos outros. A este ponto cheguei: como não consegui a vida, quero matá-la.

A minha cólera - que é ela senão reivindicação? - a minha cólera, eu sei, eu tenho que saber neste minuto raro de escolha, a minha cólera é o reverso de meu amor; se eu quiser escolher finalmente me entregar sem orgulho à doçura do mundo, então chamarei minha ira de amor.

Tanto temi jurar-me para sempre com essa primeira palavra que mal ouso pronunciar (amor), que fugi para a violência e para os olhos ensangüentados da paixão. Tudo, tudo por medo de me prostrar aos Teus pés e aos pés anônimos do "outro" que sempre Te representou.

Que rei sou eu, que não se curva? Tenho que escolher entre a quebra do orgulho e o amor correnteza da ignorância e da doçura. A minha verdade antiga ainda me serve?

Deus proibiu os sete pecados não por exigência de perfeição, mas apenas por piedade de nós, de mim que, como os outros, também tento não ser Dele e tento não ser dos outros, e eu sei que os outros são Ele.

Neste instante tenho que escolher entre amar ou ter ódio.
Sei que amar é mais lento, e a urgência me consome. Cobre minha fúria com o Teu amor, já que também eu sei que a minha ira é apenas não amar, minha ira é arcar com a intolerável responsabilidade de não ser uma erva. Sou uma erva que se sente onipotente e se assusta.

Tira de mim a falsa onipotência destruidora, não deixa que a ferida que abriram em mim signifique ferida aberta por Ti, faz com que neste instante de escolha eu entenda que aquele que fere está no mesmo pecado que eu: no orgulho que leva à ira, e portanto ele fere assim como estou querendo ferir só porque não acredita, só porque não confia, só porque se sente um rei espoliado; ajuda aos que sofrem de ira porque eles estão apenas precisando se entregar a Ti.

Mas como Tua grandeza me é incompreensível, faz com que Tu te apresentes a mim sob uma forma que eu entenda: sob a forma do pai, da mãe, do amigo, do irmão, da amante, do filho. Ira, transforma-te em mim em perdão, já que és o sofrimento de não amar."

em "Para não esquecer" - 5ª ed. - Siciliano - São Paulo, 1992


Bendita Memória -
num lapso da paixão
dá trégua , finge dormir.
                                     Radeir





A LUCIDEZ DE CLARICE

A lucidez perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.


Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.


Fonte: Clara Clarice
porta a caixinha mágica
- sonhos de Pandora

*
Faz da lucidez
seu ponto de partida.
- carta de navegação.

*
Quem, em sã consciência
mastiga uma sonata
engole e engasga?

***

POR QUE AMAMOS CLARICE ?

POR QUE AMAMOS CLARICE ?

Por que amamos
 a ladra da íntimidade
- essa estrela   Clarice?


PRECE

Alivia a minha alma,
faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha,

faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade,

faze com que eu sinta que amar é não morrer,
que a entrega de si mesmo não significa a morte,

faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária,

faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta,

faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito,

faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la,

abençoa-me para eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo,

faze com que eu tenha caridade por mim mesma, pois senão não poderei sentir que Deus me amou,

faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém."
 Pablo Picasso


CLARICE LISPECTOR  ENTREVISTAS -parte 1
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PARTE - 2
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Parte - 3
http://br.youtube.com/watch?v=2Orgxd9bD_c&feature=related
Parte - 4
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Parte - 5
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Clarice- FOTOS  Mus-uma nota só)Nara
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Homenagem -Mistério Clarice
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A Perfeição - Clarice
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TENTAÇÂO - CLARICE - Aracy Balabalian
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