quinta-feira, 24 de março de 2011

RILKE: CARTAS A UM JOVEM POETA



Último texto
Cartas a um jovem poeta
(Primeira carta)
Rainer Maria Rilke

Paris, 17 de fevereiro de 1903
Prezadíssimo Senhor,

Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizívies quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.

Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema A Leopardi talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. 

Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento.

Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. 
Não há senão um caminho.

Procure entrar em si mesmo.  

Investigue o motivo que o manda escrever; 

examine se estende suas raízes pelos recantos
mais profundos de sua alma; 
confesse a si mesmo:
morreria, se lhe fosse vedado escrever? 

Isto acima de tudo:
pergunte a si mesmo 
na hora mais tranqüila de sua noite: 
"Sou mesmo forçado a escrever?”

Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. 

Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. 

Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. 

Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? 

Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. 

Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. 

 Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.

Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de sua consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.

Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.

Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Horacek; guardo por este amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste meu sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.

Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.

Com todo o devotamento e toda a simpatia,

Rainer Maria Rilke
nasceu em Praga no dia 4 de dezembro de 1875. Depois de viver uma infância solitária e cheia de conflitos emocionais, estudou nas universidades de Praga, Munique e Berlim. Suas primeiras obras publicadas foram poemas de amor, intitulados Vida e canções (1894). Em 1897, Rilke conheceu Lou Andreas-Salomé, a filha de um general russo, e dois anos depois viajava com ela para seu país natal. Inspirado pelas dimensões e pela beleza da paisagem como também pela profundidade espiritual das pessoas que conheceu, Rilke passou a acreditar que Deus estava presente em todas as coisas.

Estes sentimentos encontraram expressão poética em Histórias do bom Deus (1900). Depois de 1900, Rilke eliminou de sua poesia o lirismo vago que em parte lhe haviam inspirado os simbolistas franceses, e, em seu lugar, adotou um estilo preciso e concreto, que podemos perceber em O livro das horas (1905), que consta de três partes: O livro da vida monástica, O livro da peregrinação e O livro da pobreza e da morte. Esta obra o consolidou como um grande poeta por sua variedade e riqueza de metáforas, e por suas reflexões um pouco místicas sobre as coisas.
Em Paris, em 1902, Rilke conheceu o escultor Auguste Rodin
e foi seu secretário de 1905 a 1906. 

Rodin ensinou o poeta a contemplar a obra de arte como uma atividade religiosa e a fazer versos tão consistentes e completos como se fossem esculturas. Os poemas deste período apareceram em Novos poemas (2 volumes, 1907-1908). Até o início da I Guerra Mundial, o autor viveu em Paris de onde realizou viagens pela Europa e pelo norte da África. De 1910 a 1912 viveu no castelo de Duíno, próximo a Trieste (agora na Itália), e ali escreveu os poemas que formam A vida de Maria (1913). 

Logo após iniciou a primeira redação das Elegias de Duíno (1923), obra esta em que já se percebe uma certa aproximação dos conceitos filosóficos existenciais de Soren Kierkegaard.

Em sua obra em prosa mais importante, Os cadernos de Malte Laurids Brigge (1910), novela iniciada em Roma no ano de 1904, empregou imagens corrosivas para transmitir as reações que a vida em Paris provocava em um jovem escritor muito parecido com ele mesmo.

Residiu em Munique durante quase toda a I Guerra Mundial e em 1919 mudou-se para Sierra (Suíça), onde se estabeleceu para o resto de sua vida, salvo algumas visitas ocasionais a Paris e Veneza, concluindo as Elegias de Duíno e escreveu Sonetos a Orfeu (1923). Estas obra são consideradas as mais importantes de sua produção poética. 

As Elegias representam a morte como uma transformação da vida e uma realidade interior que, junto com a vida, foram uma coisa única. A maioria dos sonetos cantam a vida e a morte como uma experiência cósmica. Rilke morreu no dia 29 de dezembro de 1926 em Valmont (Suíça).

Sua obra, com seu hermetismo, solidão e ociosidade, chegou a um profundo existencialismo e influenciou os escritores dos anos cinqüenta tanto na Europa como na América.

  tradução de Paulo Rónai,

 Fonte:
 
Texto extraído do livro "Cartas a um jovem poeta", 
tradução de Paulo Rónai, Editora Globo – Rio de Janeiro, 1995. 

EXISTENCIALISMO



O existencialismo é uma doutrina ético-filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino.
O existencialismo afirma a prioridade da existência sobre a essência, segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência." Essa definição funda a liberdade e a responsabilidade do homem, visto que esse existe sem que seu ser seja pré-definido. Durante a existência, à medida que se experimentam novas vivências redefine-se o próprio pensamento (a sede intelectual, tida como a alma para os clássicos), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da própria essência, caracterizando-a sucessivamente.

Esta característica do ser é fruto da liberdade de eleição. Sartre, após ter feito estudos sobre fenomenologia na Alemanha, criou o termo utilizando a palavra francesa "existence" como tradução da expressão alemã "Da sein", termo empregado por Heidegger em Ser e tempo.

Após a Segunda Guerra Mundial, uma corrente literária existencialista contou com Albert Camus e Boris Vian, além do próprio Sartre. É importante notar que Albert Camus, filósofo além de literato, ia contra o existencialismo, sendo este somente característica de sua obra literária. Vian definia-se patafísico.

 Origem

O existencialismo foi inspirado nas obras de Arthur Schopenhauer, Søren Kierkegaard, Fiódor Dostoiévski e nos filósofos alemães Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger, e foi particularmente popularizado em meados do século XX pelas obras do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e de sua companheira, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir. Os mais importantes princípios do movimento são expostos no livro de Sartre "L'Existentialisme est un humanisme" ("O existencialismo é um humanismo"). O termo existencialismo foi adotado apesar de existência filosófica ter sido usado inicialmente por Karl Jaspers, da mesma tradição.

História

O existencialismo é um movimento filosófico e literário distinto pertencente aos séculos XIX e XX, mas os seus elementos podem ser encontrados no pensamento (e vida) de Sócrates, Aurélio Agostinho e no trabalho de muitos filósofos e escritores pré-modernos. Culturalmente, podemos identificar pelo menos duas linhas de pensamento existencialista: Alemã-Dinamarquesa e Anglo-Francesa.

As culturas judaica e russa também contribuíram para esta filosofia. O movimento filosófico é agora conhecido como existencialismo de Beauvoir.

Após ter experienciado vários distúrbios civis, guerras locais e duas guerras mundiais, algumas pessoas na Europa foram forçadas a concluir que a vida é inerentemente miserável e irracional. Para muitos autores, como Heidegger e Kierkegaard, também existencialistas, sendo que em torno das suas teses se constituíram correntes ainda hoje vivas. O existencialismo não morreu de fato, pelo contrário, continua a produzir, quer na filosofia, quer na literatura, no cinema, ou até na ideologia de vida.

Temáticas

Os temas existencialistas são férteis no terreno da criação literária, nomeadamente na literatura francesa, e continuam a exibir vitalidade no mundo filosófico e literário contemporâneo.
As principais temáticas abordadas sugerem o contexto da sua aparição (final da Segunda Guerra Mundial), reflectindo o absurdo do mundo e da barbárie injustificada, das situações e das relações quotidianas ("L'enfer, c'est les autres", ["O inferno são os outros"], Jean-Paul Sartre). Paralelamente, surgem temáticas como o silêncio e a solidão, corolários óbvios de vidas largadas ao abandono, depois da "morte de Deus" (Friedrich Nietzsche).

A existência humana, em toda a sua natureza, é questionada: 

quem somos? O que fazemos? 
Para onde vamos? Quem nos move?

 Obra de Paul Gauguin-Visão do Paraíso
-Quem somos.de onde viemos,para onde vamos

É esta consciência aguda de abandono e de solidão (voluntária ou não), de impotência e de injustificabilidade das acções, que se manifesta nas principais obras desta corrente em que o filosófico e o literário se conjugam.

Relação com a religião

Apesar de muitos, senão a maioria, dos existencialistas terem sido ateístas,o que é um ato sem função e desnorteado, os autores Søren Kierkegaard, Karl Jaspers e Gabriel Marcel propuseram uma versão mais teológica do existencialismo. O ex-marxista Nikolai Berdyaev desenvolveu uma filosofia do Cristianismo existencialista na sua terra natal, Rússia, e mais tarde na França, na véspera da Segunda Guerra Mundial.

Fé cristã e existencialismo

O existencialismo não é uma simples escola de pensamento, livre de qualquer e toda forma de fé. Ajuda a entender que muitos dos existencialistas eram, de fato, religiosos. Pascal e Kierkegaard eram cristãos dedicados. Pascal era católico, Kierkegaard, um protestante radical marcado pelo ríspido antagonismo com a igreja luterana. Dostoiévski era greco-ortodoxo, a ponto de ser fanático. Kafka era judeu.[carece de fontes?]

Sartre realmente não acreditava em força divina. Sartre não foi criado sem religião, mas a Segunda Guerra Mundial e o constante sofrimento no mundo levou-o para longe da fé, de acordo com várias biografias, incluindo a de sua companheira, Simone de Beauvoir. Curiosamente, Sartre passou seus últimos anos de vida explorando assuntos de fé e dedicação com um judeu ortodoxo. Apenas podemos imaginar suas conversas, já que Sartre não as registrou.

Para os existencialistas cristãos, a fé defende o indivíduo e guia as decisões com um conjunto rigoroso de regras em algumas vertentes cristãs e para outras como o espiritismo, as decisões são guiadas pelo pensamento, pela alma. Para os ateus, a "ironia" é a de que não importa o quanto você faça para melhorar a si ou aos outros, você sempre vai se deteriorar e morrer.

Muitos existencialistas acreditam que a grande vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la. Resumindo, você vive uma vida miserável, pela qual você pode ou não ser recompensado por uma força maior. Se essa força existe, por que os homens sofrem? Se não existe e a vida é absurda em si mesma, por que não cometer suicídio e encurtar seu sofrimento? Essas questões apenas insinuam a complexidade do pensamento existencialista.
Todavia, após sessões de reflexão, percebe-se que não há motivos para se manter a pensar - nem no pessimismo, nem no otimismo - em ascensão do ser ou retalia pós-vida.

A existência precede e governa a essência.

É um conceito da corrente filosófica existencialista. A frase foi primeiramente formulada por Jean-Paul Sartre, e é um dos princípios fundamentais do existencialismo.

O indivíduo, no princípio, somente tem a existência comprovada. Com o passar do tempo ele incorpora a essência em seu ser. Não existe uma essência pré-determinada.

Com esta frase, os existencialistas rejeitam a idéia de que há no ser humano uma alma imutável, desde os primórdios da existência até a morte. Esta essência será adquirida através da sua existência. O indivíduo por si só define a sua realidade.

Em 1946, no "Club Maintenant" em Paris, Jean Paul Sartre pronuncia uma conferência, que se tornou um opúsculo com o nome de "O Existencialismo é um Humanismo". Nele, ele explica a frase, desta forma:
"... se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a essência?
Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer."

Liberdade

Com essa afirmação vemos o peso da responsabilidade por sermos totalmente livres. E, frente a essa liberdade de eleição, o ser humano se angustia, pois a liberdade implica fazer escolhas, as quais só o próprio indivíduo pode fazer. Muitos de nós ficamos paralisados e, dessa forma, nos abstemos de fazer as escolhas necessárias. Porém, a "não ação", o "nada fazer", por si só, já é uma escolha; a escolha de não agir. A escolha de adiar a existência, evitando os riscos, a fim de não errar e gerar culpa, é uma tônica na sociedade contemporânea. Arriscar-se, procurar a autenticidade, é uma tarefa árdua, uma jornada pessoal que o ser deve empreender em busca de si mesmo.
Os existencialistas perguntaram-se se havia um Criador. Se sim, qual é a relação entre a espécie humana e esse criador?

As leis da natureza já foram pré-definidas e os homens têm que se adaptar a elas? Esses homens estiveram tão dedicados aos seus estudos que tornaram-se anti-sociais, enquanto se preocupavam com a humanidade.

Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger
são alguns dos filósofos que mais influenciaram 
o existencialismo. 

Os dois primeiros se preocupavam com a mesma questão: o que limita a ação de um indivíduo? Kierkegaard chegou à possibilidade de que o cristianismo e a fé em geral são irracionais, argumentando que provar a existência de uma única e suprema entidade é uma atividade inútil. [carece de fontes?]

Nietzsche, freqüentemente caracterizado como ateu, foi sobretudo um crítico da religião organizada e das doutrinas de seu tempo. Ele acreditou que a religião organizada, especialmente a Igreja Católica, era contra qualquer poder de ganho ou autoconfiança sem consentimento. Nietzsche usou o termo rebanho para descrever a população que segue a Igreja de boa vontade. Ele argumentou que provar a existência de um criador não era possível nem importante.

Na verdade, Nietzsche valorizava e exaltava a vida como única entidade que carecia de louvor. Prova disso é o eterno retorno em que ele afirmava que o homem deveria viver a vida como se tivesse que vivê-la novamente e eternamente. A implicação disso é uma extrema valorização da vida, imaginemos cada segundo, cada minuto vivido igualmente e eternamente?

E quanto à Igreja, Nietzsche a condenava pois é um traço das influências na sociedade contemporânea; ele era sim ateu, e para ele, dentre os inteligentes o pior era o padre, pois conseguia incutir nos pensamentos do rebanho, fundamentos falsos, exteriores e metafísicos demais, que só contribuíam para o afastamento da vida. Encontramos essas críticas em O Anticristo.

 O Indivíduo versus a Sociedade

O existencialismo representa a vida como uma série de lutas. O indivíduo é forçado a tomar decisões; freqüentemente as escolhas são ruins. Nas obras de alguns pensadores, parece que a liberdade e a escolha pessoal são as sementes da miséria. A maldição do livre arbítrio foi de particular interesse dos existencialistas teológicos e cristãos.

As regras sociais são o resultado da tentativa dos homens de planejar um projeto funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional ela deveria ser.

Os existencialistas explicam por que algumas pessoas se sentem atraídas à passividade moral baseando-se no desafio de tomar decisões. Seguir ordens é fácil; requer pouco esforço emocional e intelectual fazer o que lhe mandam. Se a ordem não é lógica, não é o soldado que deve questionar. Deste modo, as guerras podem ser explicadas, genocídios em massa podem ser entendidos. As pessoas estavam apenas fazendo o que lhe foi dito.

Importantes Filósofos para o Existencialismo

Há duas linhas existencialistas famosas, quer de impulsionadores, quer de existencialistas propriamente ditos.

A primeira, de Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger é agrupada intelectualmente. Esses homens são os pais do existencialismo e dedicaram-se a estudar a condição humana. A segunda, de Sartre, Camus e Beauvoir, era uma linha marcada pelo compromisso político. Enquanto outras pessoas entraram e saíram, esses sete indivíduos definiram o existencialismo.

O filosofar Heideggeriano é uma constante interrogação, na procura de revelar e levar à luz da compreensão o próprio objeto que decide sobre a estrutura dessa interrogação, e que orienta as cadências do seu movimento: a questão sobre o Ser.

A meta de Heidegger é penetrar na filosofia, demorar nela, submeter seu comportamento às suas leis. O caminho seguido por ele deve ser, portanto, de tal modo e de tal direção, que aquilo de que a Filosofia trata atinja nossa responsabilidade, vise a nós homens, nos toque e, justamente, em todo o ente que é no Ser.

O pensamento de Heidegger é um retorno ao fundamento da metafísica num movimento problematizador, uma meditação sobre a Filosofia no sentido daquilo que permanece fundamentalmente velado.

A Filosofia sobre a qual ele nos convida a meditar é a grande característica da inquietação humana em geral, a questão sobre o Ser.
Heidegger entende que a Filosofia é nas origens, na sua essência, de tal natureza que ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver.

O caminho que Heidegger segue é orientado pela procura de renovar a temática do Ser na Filosofia ocidental. Todavia, ele constata que nunca o pensamento ocidental conseguiu resolver a questão sobre o Ser.

Ateus existencialistas

 Fonte:
Wikipédia
 
PortalA Wikipédia possui o:
Portal de Filosofia

RAINER MARIA RILKE

Rilke


Fotografia de Rainer Maria Rilke

Retrato artístico de Rainer Maria Rilke
Rainer Maria Rilke, por vezes também Rainer Maria von Rilke (Praga, 4 de dezembro de 1875Valmont, Suíça, 29 de dezembro de 1926) foi um dos mais importantes poetas de língua alemã do século XX. Escreveu também poemas em francês.

Biografia
Nasceu em Praga, na República Tcheca, então pertencente ao Império Austro-Húngaro, e mudou seu nome, originalmente René, para Rainer.

Rilke fez seus estudos nas universidades de Praga, Munique e Berlim. Em 1894 fez sua primeira publicação, uma coleção de versos de amor, intitulados Vida e canções (Leben und Lieder). Não exerceu nenhuma profissão, tendo vivido, sempre, à custa de amigas nobres.

Alguns anos depois, em 1899, Rilke viajou para a Rússia a convite de Lou Andreas-Salomé, a escritora e depois psicanalista, filha de um general russo, e que foi sua amante por longos anos. Sua passagem pela Rússia imprimiu uma inspiração religiosa em seus poemas. Rilke passou a enxergar a natureza, dadas as dimensões e exuberância das paisagens russas, como manifestação divina presente em todas as coisas. Sobre este aspecto publicou em 1900 a coleção Histórias do bom Deus.

Em 1901 casou com Clara Westhoff, da qual logo se separou. O século XX trouxe para a poesia de Rilke um afastamento do lirismo e dos simbolistas franceses com os quais ele se identificara. Em 1905, publicou 
O Livro das Horas de grande repercussão à época. Nesta obra, seus poemas já apresentavam um estilo concreto, bem característico desta sua fase.


Rainer Maria Rilke por Emil Orlik (1917)
Em 1902 foi para Paris, onde trabalhou como secretário do escultor Auguste Rodin entre 1905 a 1906. Rodin exerceu grande influência sobre o poema de Rilke, que se reflete em suas publicações de 1907 a 1908.

Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Rilke morava em Munique e lá permaneceu durante todo o conflito. Antes de se mudar para Munique, ele viveu na região do Trieste e publicou, em 1913, a A vida de Maria (Das Merien Leben) e iniciou a redação de Elegias de Duíno (Duineser Elegien), texto que só viria a ser publicado em 1923. Duíno era um castelo na região de Trieste, Itália, onde Rilke morou por dois anos antes da Guerra, a convite da princesa Maria von Thurn und Taxis. Após o conflito na Europa, Rilke mudou-se para a Suíça, a última de suas pátrias de eleição, onde viveu até morrer.

Características literárias

Rilke possui uma obra original, marcada pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas. Celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de “espaço cósmico interior”. Sua poesia provocava a reflexão existencialista e instigava os leitores a se defrontarem com questões próprias do desencantamento da primeira metade do século XX

Sua obra foi influenciada pelo Expressionismo e influenciou muitos autores e intelectuais em diversas partes do mundo.

Obras principais

  • Leben und Lieder (Vida e Canções) - 1894
  • Das Buch der Bilder (O Livro das Imagens) - 1902
  • Stundenbuch (O Livro das Horas) - 1905
  • Neue Gedichte (Novos Poemas) - 1907-1908. Neles figuram os Ding-Gedichte (Poemas objetivos), e entre eles o “Archaischer Torso Apollos” (Torso Arcaico de Apolo), traduzido no Brasil por Manuel Bandeira.
  • Das Merien Leben (A Vida de Maria) - 1913
  • Die Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge (Os Cadernos de Malte Laurids Brigge) - 1910
  • Duineser Elegien (Elegias de Outono) - 1923
  • Sonette an Orpheus (Sonetos a Orfeu) - 1923
  • Briefe an einen jungen Dichter (Cartas a um Jovem Poeta) - 1929 – publicação póstuma.

Origem: 
Wikipédia, a enciclopédia livre.

Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

RILKE - A PRIMEIRA ELEGIA - As diferenças da Tradução

 Rainer Maria Rilke
AS ELEGIAS DE DUÍNO
"PRIMEIRA CARTA"

"As Elegias de Duíno", de Rilke, constituem não só uma das mais importantes obras da literatura alemã da primeira metade do século XX, como também uma das poéticas mais significativas do nosso tempo.

Iniciadas em 1912, no castelo de Duíno, perto de Trieste, Rilke só as terminou dez anos depois, em Fevereiro de 1922, na Suíça, quase simultaneamente com a criação de uma outra obra, "Os Sonetos a Orfeu". Em Duíno, o poeta escrevera a I , a II, parte da III e os primeiros versos da X elegia. Nos longos anos que se seguiram ao primeiro impulso criador, ele conseguiu apenas concluir a III (Paris, 1912), escrever a IV (Munique, 1915) e partes da VI e IX, estas últimas por ocasião de sua viagem à Espanha, entre 1912 e 1913.

E em fevereiro de 1922, no castelo de Muzot, posto a sua disposição por um amigo - Walter Reinhart - Rilke terminou então as Elegias, escrevendo os poemas que ainda faltavam, isto é, parte da VI, a VII, a VIII, parte da IX, grande parte da X, e mais uma, a última, que viria a ser a V.

Ainda que várias circunstâncias tivessem concorrido para retardar a conclusão desse longo poema, onde se encontra visão poética e trágica de um mundo que desaparece, essa demora foi em grande parte motivada - segundo testemunho de Maurice Betz - pela preocupação do poeta em lhe dar a necessária unidade. Oculta para quem a procure numa continuação por assim dizer linear, de um poema a outro, ela se revela entretanto pelo sentido comum que os poemas possuem. "A unidade é poética, não filosófica" disse Bowra.(...).

Embora se possa dizer que as dificuldades da linguagem poética de Rilke sejam devidas à circunstância de ser ele o poeta de um tempo que não sabe pensar poeticamente, como disse Butler, não é menos certo que a dificuldade principal decorre de fatores inerentes à própria obra, entre os quais uma certa ambigüidade voluntária e mesmo procurada. Tudo isso concorre para que as elegias se coloquem, como já salientou Romano Guardini, entre os textos mais difíceis da literatura alemã.


As Elegias de Duíno, condensam por assim dizer uma riquíssima experiência poética e existencial, e estão de tal modo ligadas a episódios e experiências da própria vida do poeta que, por vezes, só o conhecimento desses fatos pode lançar luz sobre certas obscuridades.

As igrejas que Rilke visitou em Roma e em Nápoles, a sua longa experiência de Paris, aqueles amantes que ele encontrou, absortos em seu amor, no cais do Sena, os saltimbancos que ele viu no Luxemburgo, o cordoeiro que ele conheceu em Roma, e cujo trabalho lhe pareceu a repetição de um dos "gestos mais antigos da humanidade", o oleiro à beira do Nilo, reminiscências de sua viagem à Espanha, tudo isso se acha contido, embora às vezes transfigurado pelo ato poético, nas Elegias de Duíno.

Escritas, como foram, sob a pressão de uma força que ao poeta pareceu de origem sobrenatural, como ele mesmo relatou em carta a Marie von Thurn und Taxis e Lou Andreas Salomé, as elegias mostram, em inúmeros trechos, a preocupação absorvente e exclusiva de Rilke em transmitir a sua mensagem, o seu descobrimento, embora para isso tivesse de forçar, como forçou por vezes na V elegia, a lógica da linguagem e, em certos versos, a própria estrutura da língua alemã. A dificuldade lingüística das Elegia de Duíno reside muitas vezes, porém, no fato de que a mensagem traduzida por elas atinge, não raramente, os limites do dizível poético na forma espantosamente direta em que está vazada.

O tema central das Elegias é o mistério do homem e de seu destino num mundo que desaparece. Ao redor, porém, desse tema central alguns temas secundários formam a estrutura do poema. E o primeiro objetivo de uma interpretação deve consistir na revelação desses temas secundários, na manifestação do que eles encobrem e pressupõem. Entre estes o tema do anjo é o que aparece em primeiro lugar. Encontramo-lo já no primeiro verso da I, e ele volta a aparecer nas II, IV, V, VII, e X elegias. O anjo é aquele que, como notou E. Schmuidt-Pauli, representa nas elegias uma realidade espiritual superior.(...)

Aos problemas que nos foram revelados através dos temas precedentes (o anjo, os amantes, a boneca, os saltimbancos, o herói e o animal), Rilke opõe afinal o tema da metamorfose. Através dela o poeta encontrou para si o caminho que Malte buscara inutilmente: o da confirmação de que a vida é enfim possível. Preso ao cotidiano, e mais inseguro do que o animal (I e VIII); incapaz de se realizar no amor que , todavia, num momento lhe parecera oferecer quase a eternidade, e condenado ao perecimento incessante de seu próprio ser, como um cheiro que se exala e se perde; nem anjo nem Boneca, nem real nem ator, com a sua máscara cheia (IV); e ainda como os Saltimbancos da V elegia, que nos dão uma ilusão de realidade, mas não a realidade mesma, o poeta, que como aquele Malte Laurids Brigge ficara na "superfície da vida", descobre na metamorfose, através da qual o heróis já se realizara, o segredo do seu destino. "Amada, em parte alguma o mundo existirá senão em nós" Com razão disse Schmidt-Pauli que neste verso está a chave das Elegias.

Só interiormente, o mundo das coisas efêmeras e perecíveis, que é o nosso mundo, continuará a existir.

O que "cai e desaparece" aos nossos olhos continua a existir no coração do poeta."Nós somos as abelhas do invisível". Nous butinons éperdument le miel du visible pour l'accumuler dans la grande rûche d'or de l'invisible, disse Rilke na sua famosa carta a Hulewicz. Nessa transformação do visível, que é o mundo dos olhos, no invisível que se acumula, transfigurado e salvo, em nosso coração, está a essência da metamorfose.

E nisso está o orfismo rilkeano: a poesia como instrumento para outro fim que não o puramente estético.

A partir de 1910, a poesia de Rilke inicia aquilo que o poeta chamou "a obra do coração". Para trás, Rilke deixava, ultrapassada e superada, a "obra do olhar", sobre cuja formação o escultor Rodin sobretudo exercera uma influência tão grande. Desse período são as "Ding-Gedicht"; a esse período ainda pertence o "Malte Laurids Brigge", onde já se pressentem todavia sinais de uma novo rumo. Superada, porém, a fase precedente, que parece corresponder a uma etapa necessária em toda evolução poética, Rilke inicia, celebrando com um poema intitulado "Wendung", a obra do coração".

As Elegias representam a obra culminante realizada pelo poeta nessa segunda fase da sua evolução. Nela está condensada toda a sua experiência artística e humana, os dramas de sua vida, o problema do amor e a concepção da vida e da morte como um todo inseparável no tempo, dentro do qual existimos ou deixamos de existir.

Nas elegias, a forma adotada pelo poeta difere sensivelmente daquela em que foram escritas as suas obras anteriores. Sem rima e sem métrica, em verso livre (com exceção da quarta e da oitava que estão escritas no equivalente alemão do "blank verse" inglês, como observou C.M. Bowra, no seu estudo sobre tradição simbolista) as Elegias antecipam, por assim dizer, a seqüência psicológica que T. S. Eliot usou em "Waste Land".

Poeta fundamental, Rilke é a voz de uma época em transição.

Talvez seja a última voz do seu tempo, aquela que anunciou o "fim dos tempos modernos", como quer Romano Guardini, e ao mesmo tempo a primeira voz e o primeiro poeta dessa nova era que estamos começando a viver.

*

PRIMEIRA ELEGIA


Quem se eu gritasse, me ouviria pois entre as ordens
Dos anjos?
 QUEM, SE EU GRITASSE, entre as legiões dos Anjos me ouviria?

E dado mesmo que me tomasse
E mesmo que um deles me tomasse
Um deles de repente em seu coração, eu sucumbiria
 inesperadamente em seu coração,aniquilar-se-ia

Ante sua existência mais forte. Pois o belo não é
 sua existência  demasiado forte. Pois o que é o Belo

Senão o início do terrível, que já a custo suportamos,
 senão o grau do Terrível que ainda suportamos

E o admiramos tanto porque ele tranqüilamente desdenha
 e que admiramos porque, impassível, desdenha

Destruir-nos. Cada anjo é terrível.
 destruír-nos? Todo Anjo é terrível.

E assim me contenho pois, e reprimo o apelo
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo

De obscuro soluço. Ah! A quem podemos
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia

Recorrer então? Nem aos anjos nem aos homens,
valer?  Nem Anjos , nem homens

E os animais sagazes logo percebem
 e  o intuitivo animal logo adverte

Que não estamos muito seguros
 que para nós não há amparo

No mundo interpretado. Resta-nos talvez
neste mundo definido . Resta-nos, quem sabe,

Alguma árvore na encosta que diariamente
 a árvore de alguma colina, que podemos rever

Possamos rever. Resta-nos a rua de ontem
cada dia; resta-nos a rua de ontem

E a mimada fidelidade de um hábito,
e o apego cotidiano de algum hábito

Que se compraz conosco e assim fica e não nos abandona.
que se afeiçoou a nós e permaneceu.

Ó e a noite, a noite, quando o vento cheio dos espaços
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços

Do mundo desgasta-nos o rosto -, para quem ela não é /sempre a desejada,
do mundo desgasta-nos a face - a quem se furtaria ela,

Levemente decepcionante, que para o solitário coração
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o

Se impõe penosamente. Ela é mais leve para os amantes?
coração aflito?  Será mais leve para os que se amam?

Ah! Eles escondem apenas um com o outro a própria sorte.
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.

Não o sabes ainda? Atira dos braços o vazio
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços

Para os espaços que respiramos; talvez que os pássaros
para os espaços que respiramos - talvez os pássaros

Sintam o ar mais vasto num vôo mais íntimo.
sentirão o ar mais dilatado, num vôo mais comovido.


Sim, as primaveras precisavam de ti.Muitas estrelas
 Sim, as primaveras precisavam de ti

Esperavam que tu as percebesses. Do passado
Muitas estrelas queriam ser percebidas.

Erguia-se uma vaga aproximando-se, ou
Do passado profundo afluía uma vaga, ou

Ao passares sob uma janela aberta,
quando passavas sob uma janela aberta,

Um violino se entregava. Tudo isso era missão.
um violino  d'amore  se abandonava. Tudo isto era missão.

Mas a levaste ao fim? Não estavas sempre
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre

Distraído pela espera, como se tudo te ansiasse
distraído, à espera, como se tudo

A bem amada? (onde queres abrigá-la
anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,

Então, se os grandes e estranhos pensamentos entram
se grandes e estranhos pensamentos vão e vêm

E saem em ti e muitas vezes ficam pela noite.)
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)

Se a nostalgia te dominar, porém, cantas as amantes; muito
Se a nostalgia vier, porém, canta as amantes;

Ainda falta para ser bastante imortal seu celebrado sentimento.
ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.

Aquelas que tu quase invejaste, as desprezadas, que tu
Tu quase as invejas - essas abandonadas

Achaste muito mais amorosas que as apaziguadas. Começa
que te pareceram tão mais ardentes que as

Sempre de novo o louvor jamais acessível;
apaziguadas. Retoma infinitamente o inesgotável

Pensa: o herói se conserva, mesmo a queda lhe foi
louvor. Lembra-te: o herói permanece, sua queda

Apenas um pretexto para ser : o seu derradeiro nascimento.
mesma foi um pretexto para ser - nascimento supremo.

 

As amantes, porém, a natureza exausta as toma
 Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio

Novamente em si, como se não houvesse duas vezes forças para realizá-las.
esgotado, como se as forças lhe faltassem
 para realizar duas vezes a mesma obra.

Já pensaste pois em Gaspara Stampa
 Com que fervor lembraste Gaspara Stampa

O bastante para que alguma jovem,
cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem

A quem o amante abandonou, diante do elevado exemplo
qualquer, abandonada pelo amante: por que não sou

Dessa apaixonada, sinta o desejo de tornar-se como ela?
como ela?  Frutificarão afinal esses longínquos

Essas velhíssimas dores afinal não se devem tornar
sofrimentos?  Não é tempo daqueles que amam libertar-se

Mais fecundas para nós? Não é tempo de nos libertarmos,
do objeto amado e superá-lo, frementes?

Amando, do objeto amado e a ele tremendo resistirmos Como a flecha suporta
Assim a flexa ultrapassa a corda, para ser no vôo

à corda, para, concentrando-se no salto Ser mais do que ela mesma?
mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detém.

Pois parada não há em /parte alguma.

Vozes, vozes.Escuta, coração como outrora somente
Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas

os santos escutavam: até que o gigantesco apelo
os santos ouviam, quando o imenso chamado

levantava-os do chão; mas eles continuavam ajoelhados,
os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados

inabaláveis, sem desviarem a atenção:
os prodigiosos, e nada percebiam,

eles assim escutavam. Não que tu pudesses suportar
tão absortos ouviam. Não que possas suportar

a voz de Deus, de modo algum. Mas escuta o sopro,
a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,

a incessante mensagem que nasce do silêncio.
a incessante mensagem que o silêncio prodiga

Daqueles jovens mortos sobe agora um murmúrio em direção /a ti.
Ergue-se agora, para que ouças , o rumor

Onde quer que penetraste, nas igrejas
dos jovens mortos. Onde quer que fosses,

De Roma ou de Nápoles, seu destino não falou a ti, /tranqüilamente?
nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz

Ou uma augusta inscrição não se impôs a ti
de seu destino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,

Como recentemente a lousa em Santa Maria Formosa.
sublimes? A estrela funerária em Santa Maria Formosa...

Que eles querem de mim? Lentamente devo dissipar
O que pede essa voz? A ansiada libertação

A aparência de injustiça que às vezes dificulta um pouco
da aparência de injustiça que às vezes perturba

O puro movimento de seus espíritos.
a agilidade pura de suas almas.

Certo, é estranho não habitar mais terra,
 É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,

Não mais praticar hábitos ainda mal adquiridos,
abandonar os hábitos apenas aprendidos,

Às rosas e outras coisas especialmente cheias de promessas
às rosas e as outras coisas singularmente promissoras

Não dar sentido do futuro humano;
não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;

O que se era, entre mãos infinitamente cheias de medo
o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,

Não ser mais, e até o próprio nome
não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome

Deixar de lado como um brinquedo quebrado.
como se abandona um brinquedo partido.

Estranho, não desejar mais os desejos. Estranho,
Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,

Ver tudo o que se encadeava esvoaçar solto
ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,

No espaço. E estar morto é penoso
desligado. E o estar-morto  é penoso

E cheio de recuperações, até que lentamente se divise
e quantas tentativas até encontrar em seu seio

Um pouco da eternidade. - Mas os vivos
um vestígio de eternidade - Os vivos cometem

Cometem todos o erro de muito profundamente distinguir.
o grande erro de distinguir demasiado

Os anjos (dizem) não saberiam muitas vezes
bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem

Se caminham entre vivos ou mortos. A correnteza eterna
se caminham entre  vivos ou mortos .

Arrebata através de ambos os reinos todas as idades
Através das duas esferas, todas as idades a corrente

Sempre consigo e seu rumor as sobrepuja em ambos.
eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.


Finalmente não precisam mais de nós os que partiram cedo,
O mortos precoces não precisam de nós, eles

Perde-se docemente o hábito do que é terrestre, como o /seio materno
que se desabituam do terrestre, docemente,

suavemente se deixa, ao crescer.Mas nós que de tão grandes
como de suave seio maternal. Mas nós,

mistérios precisamos, para quem do luto tantas vezes
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes

o abençoado progresso se origina - : poderíamos passar /sem eles?
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles

É vã a lenda de que outrora, lamentando Linos,
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira

A primeira música ousando atravessou o árido letargo,
música para lamentar Linos, violentou a rigidez da

Que então no sobressaltado espaço, do qual um quase /divino adolescente
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,

escapou de súbito e para sempre, o vazio entrou
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu

naquela vibração que agora nos arrebata e consola e ajuda?
em vibração - que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.


Traduções do poeta paraense Paulo Plínio Abreu
publicadas no jornal "Folha do Norte" entre os anos
de 1946 e 1948, realizadas em parceria com o
antropólogo alemão Peter Paul Hilbert.

rainer maria rilke
RAINER MARIA RILKE  nasceu no dia 4 de dezembro de 1875, em Praga, quando a Boêmia integrava o império autro-húngaro.

Educado pela mãe dentro de um rigoroso catolicismo, teve uma formação cultural essencialmente germânica. Após os estudos preparatórios em Linz e Praga, em 1896 ingressou na Universidade de Munique, onde estudou história da Arte.Publicou aos 19 anos seu primeiro livro, Vida e canções.

Entre 1895 e 1900 lançaria três outros trabalhos, considerados menores. Foi então que conheceu Lou Salomé, amiga e discípula de Nietzsche.

de sua viagem à Rússia nasceria a primeira grande obra do autor, O livro das horas, ao qial se seguiram Novos poemas ( 1907-1908), Elegias de Duíno (1922) e Sonetos a Orfeu (1922). Porém, seu livro mais famoso é Cartas a um jovem poeta, escritas entre 1903 e 1908.mostrando a um neófito, o alemão Fraz Xaver Kappus, os caminhos do mundo interior do escritor.

Entre 1902 e 1912 passeia e dá conferências em vários países europeus.
depois da Primeira Guerra Mundial fixa-se na Suíça alemã. Quatro anos depois de publicar seus poemas franceses, fere-se acidentalmente na mão.
O ferimento agrava a leucemia de que sofria, falecendo no sanatório de Valmont em 29 de dezembro de 1926.

DORA FERREIRA DA SILVA,
poeta e tradutora, teve sua obra coligida em 2000 no volume Poesia reunida.
Sobre elas escreveram alguns dos mais ilustres críticos e poetas brasileiros e estrangeiros, como Gerardo Mello Mourão, Eurialo Cannavrava, José Paulo Paes, Cassiano Ricardo, Nogueira Moutinho e Vilém Flusser.

Recebeu, ainda em 2000, o prêmio ABL de poesia





ELEGIAS  DE DUÍNO
Iniciadas em 1912 no castelo de Duíno - antiga edificação erguida em rochedos sobre o mar Adriático, nas proximidades de Trieste, onde Dante Alighieri teria escrito parte de A divina comédia -, essas elegias configuram um mundo sombrio, ausente de humanidade, mais afinado com coisas e animais ou com o universo inefável dos anjos.


Alheio à "agitação aparentemente ininterrupta dos negócios humanos", como escreve Sérgio Auusto de Andrade no prefácio,nesses poemas rilke buscou resgatar "um tipo de transcendência que vai ao mesmo tempo muito além de todos os rostos e de todos os elementos; o pouco que encontra é o material bruto de seus versos'.


Assim, em Elegias de Duíno, a vida é sentida como uma impossibilidade, pois o desejo de posse a falseia a cada instante e a visão da morte a tolhe em todas as suas manifestações.


Entre os animais - que, ignorantes da morte e desprovidos de ambição, se sentem imersos no curso universal - e os anjos, imortais e perfeitos, os homens estão colocados numa posição ambígua, vítimas da voracidade do tempo.


"Que é o homem para Rilke a não ser o anjo da Terra?", pergunta o escritor Antõnio Carlos Villlaça. "Desde 1898, Rilke exprime idéias idênticas, uma coerência íntima, uma unidade,uma religiosidade densa.


A necessidade permanente e profunda de se elevar acima do terrestre. [...] Essencialmente, Rilke foi o poeta em oração. Neo-romântico, foi sempre o poeta da forma aberta. ' o movimento da minha alma orientada para o Aberto',diz-nos ele. Assim, o anjo rilkeano, sobretudo nas Elegias, é o ser em que a transformação do visível em invisível, que nós realizamos, surge como já realizada"


É esse mundo quase impenetrável, aqui em primorosa tradução e comentários de Dora Ferreira da Silva - acompanhada do original alemão -, que se apresenta à contemplação do leitor.


 Fonte:
Em azul :
Dora Ferreira da Silva - Ed.Globo (Amo!)
 
Traduções do poeta paraense Paulo Plínio Abreu

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